Conciliar, ainda hoje é uma grande tarefa do nosso ordenamento jurídico, temos no procedimento ordinário uma audiência preliminar ou também chamada audiência de conciliação, na qual, nos termos da lei, o juiz, tratando-se de causas versando direitos disponíveis, tentará a solução conciliatória antes de definir os pontos controvertidos a serem provados. Da mesma forma, vale destacar que o próprio Estatuto de Ética do Advogado impõe como seu dever estimular a conciliação entre os litigantes.
Na área de família, existem casos em que o conflito pode ser encerrado na Audiência de Conciliação; essa área é muito interessante, pois envolve não só o Direito, mas o relacionamento interpessoal. São diversas questões psicológicas que envolvem os processos de família, o que torna a resposta do judiciário um pouco complicada, por se tratar de uma área tão delicada. Para estudar/trabalhar na área de família é preciso ter além de conhecimento jurídico, sensibilidade, pois se trata de um ramo do Direito que fica muito próximo ao sentimento das partes. É essa delicadeza e sensibilidade que a torna uma área, apesar de complexa, tão magnífica.
O que se percebe é que há, atualmente, um grande desafio aos operadores que se dedicam a essa importante área do Direito: em uma Audiência de Conciliação muitas vezes os profissionais que estão envolvidos acabam influenciando as partes para a não realização do acordo, da conciliação propriamente dita. Quando a parte contrata um advogado com a postura de “gladiador”, ou seja, quando um advogado entra na sala de audiências como se estivesse indo para a Guerra, munido de provocações e totalmente certo de que não haverá acordo, ele influencia seu cliente a não aceitar o acordo proposto, que muitas vezes pode ser algo muito bom e que atende aos seus interesses. Da mesma forma, às vezes, as partes firmam um acordo e este não é respeitado ou não lhe é tão favorável. Que relação apresenta tais situações com a postura dos profissionais que nesta área atuam?
[…]Apesar de parecer fácil em razão de todos terem contato e conhecerem as questões que dizem respeito à família, ela é uma área complexa, pois não se trata de duas pessoas desconhecidas que formaram uma relação jurídica em razão de uma colisão no trânsito e que vão até o Poder Judiciário para cobrar os gastos com o veículo ou pedir indenização; diferente também é de duas pessoas que cometem um crime e são obrigados a responder pelo delito realizado; o Direito de família abrange muito mais que uma simples relação jurídica.
A afirmação acima pode ser confirmada se lembrado que, geralmente, o Direito de Família trata de uma relação emocional, em que duas pessoas manifestam a vontade de se unirem e, de repente, por algum motivo, essa união que antes era pacífica e bela se torna pesada e difícil de ser mantida. O momento de rompimento desse laço afetivo é bastante complicado para ambas as partes e mais difícil ainda se existem filhos e é necessário discutir guarda, visitas e alimentos. Há, ainda, situações em que duas pessoas se conhecem, vivem juntas um relacionamento rápido e deste resulta no nascimento de uma criança, que precisa de alimentos, que precisa ser reconhecida como filha.
Os conflitos que envolvem outros ramos do direito, como por exemplo, o Direito Civil e Direito Penal, não são menos importantes que as situações envolvendo Direito de Família, entretanto são assuntos cuja solução está adstrita ao entendimento dos fatos e a aplicação da lei para serem resolvidos. Já nas situações relatadas quanto ao Direito de Família, envolvem além da lei e dos fatos que levaram ao objeto da ação, questões psicológicas, envolve sentimento
[…]Na prática, é possível observar diversas situações quanto à conciliação que merecem ser pontuadas:
Em algumas ações que envolvem o tema “Guarda”, por exemplo, observa-se nos genitores a presença de uma sensação de poder; é impressionante como eles almejam a guarda mais do que almejam estar com os filhos; em uma audiência de conciliação houve um acordo quanto à guarda unilateral, sendo que o genitor que não ficou com a guarda tinha, na prática, mais contato com o filho que o “ganhador” da guarda.
Outra situação é quanto ao divórcio litigioso. As partes, muitas vezes, dão prioridade aos bens materiais em detrimento dos filhos, ou, ainda, discutem quanto aos valores numa tentativa de um se tornar “superior” ao outro. Um exemplo claro quanto a isso foi o ocorrido em uma audiência de conciliação cuja ação tinha por objeto o pedido de alimentos ao filho, fruto de uma união estável entre as partes. A requerente não quis o acordo quanto à verba
alimentar do filho, argumentando que o requerido deveria pagar a ela o valor de sete mil reais, tendo em vista que em uma separação anterior do requerido, este havia sido o valor pago à ex mulher.
O conciliador da área de família precisa de muito “feeling”, pois as partes normalmente vão à audiência sem terem conversado desde a briga/rompimento ou discussão que levou à ação e, é nessa oportunidade que os mesmos
querem expor toda a raiva, toda a mágoa e acabam por ofender-se mutuamente.
Uma conciliação na Vara de família bem sucedida é aquela que possibilita às partes um diálogo profundo e uma reflexão sobre qual a melhor decisão a ser tomada, decisão esta que não virá em forma de sentença, na qual o magistrado, pautado nas provas presentes nos autos, formará sua opinião e definirá qual das partes sairá vencedora. A melhor decisão é aquela definida pelas partes conflitantes em que ambos têm autonomia para propor alternativas,
maneiras para a resolução do conflito familiar.
El conciliador simplemente se limita a presentar fórmulas para que las partes se avengan a lograr la solución del conflicto, y a presenciar y a registrar el acuerdo a que han llegado éstas; el conciliador, por consiguiente, no es parte interesada en el conflicto y asume una posición neutral. (MIRANDA, 2011, p. 96)
Não é o conciliador que propõe a solução, são as partes, o conciliador somente propicia às partes formas de aproximação e diálogo para que elas próprias entrem em um acordo. Para que esse acordo seja realizado com justiça, é necessário que o conciliador aja de forma a possibilitar às partes uma comunicação calma, tranquila, apesar de toda a complexidade jurídica e emocional existente.
Um conflito familiar pode ser resolvido em tom de voz normal, sem que nenhuma das partes se exceda ou se canse, dando oportunidades iguais para que todos exponham suas razões, sendo fundamental a figura do conciliador (que pode ser o próprio magistrado) na condução do procedimento e dos advogados esclarecendo às partes sobre os benefícios e riscos da conciliação, contribuindo para que seja alcançada a melhor forma de solucionar o conflito não
apenas dentro da sala de audiências, mas também na continuidade de suas vidas pessoais.