Uma análise crítica da decisão do STF no RE 878.694/MG sobre a sucessão do companheiro a partir da teoria da decisão de Ronald Dworkin

O presente artigo visa analisar a teoria da decisão judicial em Ronald Dworkin com o intuito de refletir sobre a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 878.694/MG em que equiparou o companheiro à cônjuge para efeitos sucessórios, vez que declarou inconstitucional o artigo do Código Civil que versava sobre a sucessão do companheiro. Tem por objetivo verificar se a situação narrada objeto da decisão pode ser considerada um caso difícil na concepção de Dworkin, bem como analisar de maneira crítica se os termos da decisão obedeceram aos critérios estabelecidos por ele em sua teoria da decisão judicial. A metodologia utilizada foi análise doutrinária e pesquisa empírica junto ao Recurso Extraordinário 878.694/MG. Dentre os resultados alcançados, destaca-se a compreensão da teoria da decisão frente aos dois posicionamentos diversos adotados pelos Ministros julgadores do recurso a fim de concluir se a decisão final está em consonância com as lições teóricas do jurista.

1. INTRODUÇÃO

A teoria da decisão de Ronald Dworkin possui importante contribuição ao Direito, apesar de bastante criticada no decorrer dos escritos, alcançou diversos seguidores e permanece viva até os dias atuais, Dworkin adotou uma postura pós-positivista, bem como a noção interligada de direito
e justiça.

Em 04 de dezembro de 2018 transitou em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os direitos sucessórios do companheiro e sua diferenciação em relação ao cônjuge. Referido caso foi tomado por diversos posicionamentos, favoráveis e contrários, já que o foco da discussão era a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, o qual atribui efeitos diferentes ao companheiro para fins sucessórios.

Diante dos posicionamentos firmados em relação ao caso decidido pelo Supremo e a forte relação deste com a justiça e a moral, entende-se pertinente analisar referida decisão sob a ótica da
teoria da decisão de Dworkin.

Assim sendo, primeiramente será analisada, de forma não exaustiva a teoria da decisão de Dworkin, passando ao relato do caso judicial a fim de compreender a situação fática e processual do feito até chegar ao Recurso Extraordinário analisado pelo STF, para finalmente realizar uma análise crítica da teoria dworkiniana aplicada ao caso em análise, com objetivo de entender se a decisão tomada possui relação com a teoria da decisão de Dworkin.

2. A TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL DE RONALD DWORKIN

Dworkin entende que as discussões que envolvem processos judiciais ultrapassam o aspecto financeiro, ele associa a dimensão moral às consequências de um processo judicial, mencionando inclusive o risco de uma injustiça pública (Dworkin, 1999).

Sua preocupação é quanto ao modo como os juízes decidem e o que eles pensam que é o direito, destaca inclusive que em sua decisão o juiz deve considerar a parte que agiu corretamente e a que ignorou suas responsabilidades, entendendo que um julgamento injusto corresponde a um dano moral cometido pela comunidade em relação a um dos seus membros. Segundo ele, o bom juiz prefere a justiça à lei (Dworkin, 1999).

Interessante análise de Piero Calamandrei (2013, p. 145) acerca da consciência dos juízes ao proferirem uma decisão injusta:

O horror de ter proferido uma sentença injusta podia ser para um juiz consciencioso tão inquietante, que o impedisse de dormir. Mas ele sabe que existe o recurso e reconforta-o a ideia de que seu erro tem remédio, o que o ajuda docemente a recuperar o sono.

O fato apontado pelo autor como “erro do juiz”, pode ser trazido à ótica de Dworkin sob o ponto de vista de o juiz não ter proferido a decisão certa ao caso analisado, essa questão será discutida posteriormente, após a análise de alguns pontos que se formam como base para a melhor compreensão da teoria da decisão Dworkiniana.

Com relação às possíveis divergências de decisões nos processos judiciais, Dworkin entende que há três diferentes tipos de questões que podem ensejar referidas divergências, são elas: a) questões de fato; b) questões de direito; c) questões de moralidade, política e fidelidade (interligadas entre si).

As questões de fato referem-se especificamente ao caso a ser analisado pelos juízes, quanto ao que efetivamente ocorreu, portanto, segundo Dworkin é uma questão bastante direta e plenamente possível de verificar claramente a divergência. As questões interligadas à moralidade, política e fidelidade também são entendidas por ele como possíveis de serem facilmente identificadas, já que é comum a divergência em termos morais nos Tribunais. A análise pormenorizada de Dworkin está no item “b”, questões de direito, já que segundo sua ótica, advogados e juízes divergem sobre a lei que deve regulamentar o caso e quanto às maneiras de apuração da mesma a serem empregadas nas decisões judiciais. (Dworkin, 1999)

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